“Entre duas eternidades”, de Alsira Monforte Baz, faz da inércia um modo de intervenção na cidade. Parte de um processo de entre-ver através das janelas das ruínas da cidade do Porto. Esses espaços que por muitas gerações foram habitados e tiveram diferentes usos sociais, hoje abandonados, sofrem com as condições atmosféricas. Essas marcas do tempo, tanto do abandono quanto dos usos ao longo dos tempos, escancaram as possibilidades da mudança nas coisas aparentemente inertes. É o movimento na estase, como nos diria Aby Warburg, ao pensar o sismo do tempo nas coisas que nele se inserem. A janela é invenção humana, diferentemente da porta que é vergel, ao se considerar as entradas das cavernas. Colocar-se ante as janelas do tempo enseja essa relação entre dentro e fora, intimidade e externalidade, numa dialética irresoluta e em tensão, que em Alsira situa-se numa metafísica do espaço mas também em uma crítica antropológica, questionando esse modelo de cidade que afasta quem está perto (o cidadão) e aproxima quem é de longe (o turista).


Carpeta con la colaboración de el Laboratório de Arte na Montanha – Graça Morais, Bragança: diez ejemplares de diecinueve láminas en risografía sobre papel. Realizado por Ora Labora Studio. Financiado por las Ayudas Injuve a la Creación Joven. 

Alsira centra-se em uma imersão poética baseada na produção de imagens a partir das janelas das construções em ruínas que se encontram na cidade. O processo de devir ruína traz na sua acepção filosófica uma passagem de um estado para outro, a constante mudança das coisas. Por sua vez, Éter, prefixo de eternidade, vem do verbo aítho (queimar ou fazer brilhar), e é utilizado pelos helênicos genericamente para «queimado de sol». De acordo com o contexto significa tanto «fazer brilhar» quanto «tornar-se escuro como fuligem». Éter está entre Urano e o ar. Por personificar o céu superior, considera-se sua camada mais pura que aquela próxima à terra. Éter é luz que queima ao sol. Significa tanto «fazer luzir» quanto «escurecer», conforme o contexto.



Aqui, estas duas dimensões são colocadas: no brilho do olhar da artista, que mira de fora para dentro, iluminam-se as sombras das histórias passadas, constituindo quase um palimpsesto desse sítio histórico, ao tratar as ruínas como escrituras que marcam a carne da cidade, e que alude ao mesmo tempo a um espírito do tempo de agora e um modo de estar-no-mundo dos que nos antecederam.  Assim, a traços de carvão Alsira traz à luz a escuridão, o tempo lento da ausência humana, que se faz presente nos objetos ali deixados, como também provoca de forma sutil esta cidade ansiosa por se refazer à base de um capitalismo fugaz, onde tudo é transitório. Entre o dentro e o fora Alsira foca no ente, desterrado, mas eterno. 

Marcus Brasil, investigador del LAM-GM.

Serie de diecinueve dibujos a carboncillo y conté sobre tela, 50x70cm. cada uno.